24 novembro 2008

Rómulo de Carvalho / António Gedeão


O Google, como sempre, não deixou passar em branco o Dia Nacional da Cultura Científica.
Embora haja, em Portugal, uma notória falta de cultura científica, este dia foi escolhido em homenagem a Rómulo de Carvalho que nasceu no dia 24 de Novembro de 1906.
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho licenciou-se em Ciências Físico-Químcas na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto em 1931.
Foi professor de liceu em Lisboa e em Coimbra.
A publicação das suas obras começa em 1952, pela Atlântida Editora (Coimbra), com a “História do Telefone”, o primeiro título de uma colecção de livros de divulgação em que se descobriam importantes instrumentos científicos em interessantes histórias.
Com o pseudónimo de António Gedeão foi um poeta de eleição. Nos seus poemas a poesia e a ciência andam sempre de mãos dadas.
Rómulo de Carvalho/António Gedeão conjugou, de uma forma fantástica, o génio do cientista e o harmonioso do poeta.
Saiba mais aqui.
Um dos poemas mais brilhantes deste homem único é a história de Galileu onde só falta referir o pedido de desculpas, em 1992, da Igreja quando admitiu seu erro e absolveu o astrónomo por ter defendido a tese de que a Terra girava em torno do Sol.

Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei... eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus me deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou a vê-las –,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E foste tu dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

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